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sábado, 5 de abril de 2014

“Elza, a garota”: filme sobre menina de 16 anos sentenciada e morta pelo PCB | Adriana Vandoni



“Elza, a garota”: filme sobre menina de 16 anos sentenciada e morta pelo PCB | Adriana Vandoni








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A política e atualidades com humor e credibilidade.

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“Elza, a garota”: filme sobre menina de 16 anos sentenciada e morta pelo PCB
Publicado em 16 de março de 2012 às 22:23 hs.


Vamos ver se este caso tem a mesma repercussão que o causado pelo filme Olga. Quem sabe não, já que esta morreu “pela causa, pela igualdade entre os homens”.

A verdade de Elza

O diretor Dodô Brandão assinou com o coleguinha Sérgio Rodriguespara levar às telas o livro “Elza, a garota”, publicado pela Nova Fronteira, em 2008, e pela Quetzal, em Lisboa, em 2010.
O livro conta a história da jovem Elvira Cupello Calônio, militante comunista que usava o codinome de Elza, estrangulada em 1936 com um fio de varal no bairro carioca de Guadalupe.

Acusada de traidora, Elza teria sido morta por sentença do próprio PCB.


Para saber mais sobre o caso clique abaixo:



Elza revisitada

Uma menina inocente, assassinada de forma cruel, em um quintal de uma casa no distante bairro de Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro. O que seria mais um crime entre tantos que se sucedem desde tempos imemoriais, é, na verdade, um episódio crucial, desdobramento trágico e atrapalhado da tentativa pífia de implantação do comunismo no país, em 1935. A Intentona Comunista, encabeçada por Luis Carlos Prestes, foi a infeliz tentativa da implementação do comunismo no país a partir da sublevação dos quartéis. Superestimada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a organização comunista no Brasil foi referendada pelos soviéticos, e não tardou o apoio, com homens e dinheiro, para tentar derrubar o presidente Getúlio Vargas. Atabalhoada, ela aconteceu em Natal (RN), Recife (PE) e Rio de Janeiro, sem sincronia, tampouco organização e cooptação mínimas para que pudesse ter algum sucesso.

Serviu, isto sim, para espalhar o medo de um comunismo premente, comedor de criancinhas, subversivo e com uma grandeza e poder que nunca chegou a possuir. Abriu caminho para a ditadura do Estado Novo, que viria em 1937, através do estado de sítio, com leis de exceção, prisões e torturas exacerbadas. O anticomunismo fazia sua estréia e, como diz o chavão, veio para ficar. Filinto Müller, chefe de Polícia do então Distrito Federal, viraria o patrono dos torturadores. O medo vermelho atravessaria o século XX fazendo escola, como podemos depreender da ditadura militar instaurada em 1964. Com isso, não queremos dizer que o tiro no pé dos comunistas tenha sido o motivo para tudo o que se seguiu depois, mas que catalisou esses acontecimentos, parece ser cada vez mais claro.

O escritor e jornalista Sérgio Rodrigues partiu da estória da menina citada acima para ficcionalizar sobre essa época crucial e sobre esses erros, que por muito tempo tiveram que ser “esquecidos” para não serem usados a serviço de tendências, à esquerda ou à direita do espectro político. O resultado é Elza, a garota (Nova Fronteira)

Elza Fernandes era o pseudônimo de Elvira Cupello Calônio, menina de 16 anos, mulher, namorada e amante de Miranda, então secretário-geral do PCB, naqueles movimentados dias de 1935. Semi-analfabeta, oriunda do interior paulista, tão logo debelada a Intentona,com os principais nomes do partido sendo enjaulados e torturados – quando não assassinados –, Elza foi acusada de colaborar com a polícia, algo nunca comprovado. Em um julgamento sumário, através de bilhetes e cartas entre Prestes e os demais nomes do partido que conseguiram não ser presos naquele momento, foi condenada por traição e morta de maneira torpe, enforcada com um barbante no quintal de um aparelho – como eram chamadas as localidades que serviam de moradia para quem aderia à clandestinidade – em Guadalupe, zona norte carioca.

A história de Elza ficou submersa esses anos todos, ainda que abordada criticamente pelos estudiosos do comunismo tupiniquim. Pela esquerda, como um caso vergonhoso a ser esquecido. Pela direita, pois tal foi o uso exagerado e inventivo dela, que ficou com um descrédito enorme. Tal eram as lacunas na história, que Rodrigues encontrou na mistura entre ficção e não-ficção o equilíbrio ideal para preenchê-las, imaginá-las, além de refletir sobre esse episódio peculiar da nossa história, através de Xerxes, um comunista de 94 anos, fio condutor entre aquele tempo remoto e os dias de hoje.

COMO CHEGOU À HISTÓRIA DE ELZA? JÁ CONHECIA?

Sérgio Rodrigues. Conhecia muito por alto, como quase todo mundo. Tinha ouvido falar da história, não me interessava especialmente. Isso começou com uma encomenda da Nova Fronteira, que me pediu um livro de não-ficção, uma reportagem sobre a Elza, achando que era uma história com elementos dramáticos, com um pano de fundo legal, um momento interessante da história do Brasil. Comecei a pesquisar e rapidamente voltei à editora com uma contraproposta, para transformar num romance. Foi aí que o projeto virou meu, deixou de ser uma encomenda, virei a pauta completamente. A editora topou, teve o grande mérito de não se assustar com essa idéia de transformar aquilo num romance. E eu rapidamente vi na pesquisa que renderia muita mais como um romance do que como uma reportagem.

POR QUÊ?

Sérgio Rodrigues. Por várias razões. Uma delas é a quantidade muito pequena de informação sobre essa menina. Primeiro, porque era uma menina que morreu muito nova, não teve tempo de ter uma vida muito cheia, era analfabeta. Segundo, porque, em parte, essa memória foi apagada mesmo, deliberadamente. Você encontra pastas vazias em arquivos. É uma história que não interessava, à esquerda, que fosse contada. E a própria direita, quando usou isso como propaganda muito grosseira, anticomunista na época, acabou desgastando a história, tirou credibilidade dela. Eles inventaram tanta mentira sobre a Intentona [Comunista], essa tentativa de tomada do poder [em 1935], inventaram tanta história, que a Elza acabou virando mais uma daquelas histórias provavelmente inventadas, que ninguém sabia direito, e acabou tirando a credibilidade daquilo. Isso é uma razão, as lacunas enormes que têm na história dessa moça nos arquivos. Agora, não é a única, não.

Acho que essa forma do romance – na verdade, é um romance que mistura duas linguagens, ficção e não-ficção – me deu uma flexibilidade muito maior para contar essa história do modo que eu queria contá-la. Que não é só uma historinha. É, ao mesmo tempo, uma história e uma reflexão sobre a história, sobre como a história é construída, como a história é apagada, como cada época reinventa o passado da forma que lhe convém. Isso tudo, no romance, ganha uma forma muito mais flexível, maleável de ser fazer isso. Poderia fazer isso num ensaio também, mas seria um ensaio de mil páginas, uma coisa chatíssima. Então, o romance permitia fazer isso de uma maneira mais leve, mais agradável pro leitor.

A INTENTONA COMUNISTA DE 1935, VISTA HOJE, PARECE UMA PIADA, POIS A ARTICULAÇÃO COMUNISTA NO PAÍS, COMO SEU RESULTADO DEMONSTROU, ERA PÍFIA. COMO ELA PÔDE SER LEVADA ADIANTE NAQUELE ANO? QUAL ERA A PERCEPÇÃO, NAQUELE MOMENTO, DE QUE ELA PUDESSE DAR CERTO?

Sérgio Rodrigues. Foi um delírio mesmo. Isso é uma das coisas que, aliás, o livro explora bastante, como é que se chegou a construir um delírio coletivo como aquele. Acho que tem várias razões para isso. Uma delas era o fato de o Partido ComunistaBrasileiro (PCB) ter uma necessidade de afirmação perante a União Soviética, a Internacional Comunista (IC), muito grande. É um partido que já nasce com um complexo de inferioridade engraçado. O primeiro delegado brasileiro enviado a Moscou para um congresso tem uma participação absolutamente ridícula, o [Antonio] Canellas. Ele sai de lá ridicularizado e, por causa disso, negam ao partido a condição de verdadeiro Partido Comunista, só poderia ser filiado como simpatizante. Isso tudo foi meio traumático. Então o Brasil precisava mostrar serviço. E, em 1935, a delegação brasileira chegou a Moscou pintando um cenário muito cor-de-rosa para a revolução, como se a situação brasileira fosse pré-revolucionária. E os caras lá acreditaram nisso, estavam muito distantes, acharam que o Brasil realmente estava maduro para a revolução. E no momento em que Moscou acreditou nisso, isso virou verdade para os comunistas daqui. É estranho, bizarro, mas sai daqui uma mentira, que é sancionada internacionalmente, pelos revolucionários de verdade, e aí eles passam a acreditar na mentira deles. E teve o delírio do Prestes também, que era um grande mito, um mito de verdade desde a Coluna [Prestes, que percorreu o país entre 1925 e 1927, e deslocou-se pelo interior do país, pregando reformas políticas e sociais, como a exigência do voto secreto, a defesa do ensino público, além da insatisfação com a República Velha], que realmente tinha uma penetração fortíssima nos quartéis. E não só. Ele era muito admirado pelo povo brasileiro. E acho que isso subiu um pouco à cabeça do Prestes, ele achou que bastaria acender uma fagulha qualquer que os quartéis todos se incendiariam automaticamente, bastando saber que ele estava à frente do troço. E não foi nada disso, ele subestimou o instinto legalista dos militares, teve uma adesão pífia.

Na verdade, é difícil até entender o que se pretendia com aquilo. Os sinais de que ia ser um fracasso foram aparecendo a tempo até de se cancelar tudo, mas ninguém cancelou, como se a coisa tivesse uma dinâmica própria. E, a certa altura, parece até que os caras queriam ir para o sacrifício mesmo, criar uma situação em que eles virassem mártires. É difícil entender, mesmo os historiadores comunistas que se dedicaram a isso reconhecem que foi uma coisa meio, meio não, completamente equivocada e demente.

COMO AFIRMA ZUENIR VENTURA NA ORELHA DO LIVRO, “ACABAR COM O COMUNISMO FOI FÁCIL; DIFÍCIL É SE LIBERTAR DO ANTICOMUNISMO”. PODERIA FALAR UM POUCO SOBRE COMO OS ACONTECIMENTOS DE 1935, 1936 FORAM DETERMINANTES NA DISSEMINAÇÃO DESSE ANTICOMUNISMO PELO PAÍS?

Sérgio Rodrigues. Não é nem uma tese minha, mas de alguns historiadores, e eu concordo inteiramente, e está no livro também. O discurso anticomunista brasileiro foi construído muito em 1935, 1936, com o fracasso da Intentona e com a repressão que se seguiu. E com a morte da Elza também, ela foi uma peça de propaganda muito forte, manchetes em todos os jornais, “olha como esses caras são malvados”. E esse discurso construído ali deu sustentação para o [Getúlio] Vargas, uma sustentação que ele não tinha nessa época ainda. Dois anos depois [em 1937], ele dá o golpe do Estado Novo, o país se transforma em uma ditadura absoluta. E Vargas acabou virando o grande nome da política brasileira no século XX. A virada foi exatamente aí, ele conseguiu unir o país com um discurso anticomunista, de “inimigo externo”. Como tinha agentes de Moscou, de fato, envolvidos, pessoas enviadas de lá – o Prestes foi uma delas, mas vieram estrangeiros também –, ele conseguiu construir o discurso patriótico, de defesa da nação contra o invasor estrangeiro. E esse discurso construído ali é o mais ou menos o mesmo, com pouquíssimas variações, que vai ser usado em 1964. É uma coisa que marcou muito mesmo o século inteiro. Pelo menos, até o fim da ditadura de 1964, nos anos 1980, estavam se repetindo aqueles chavões. Tanto que uma das mentiras – mencionada no livro – que eles inventaram sobre a Intentona, é que os revoltosos teriam matado os companheiros de farda enquanto dormiam, a facadas. Isso é uma mentira, não teve nada disso. Mas, ao longo da ditadura recente, os comandantes militares, todo mês de novembro, mandavam publicar nos jornais ordens do dia em que lembravam essas supostas vítimas do comunismo, do inimigo vermelho. É uma coisa que durou. Acho que hoje, finalmente, a gente está além disso, felizmente. E dá para falar disso com certa tranqüilidade, mas até recentemente fazer um livro como esse será muito complicado. Querendo ou não, você acabaria se colocando a serviço de algum lado com interesses inconfessáveis.

MAS TU ACHAS QUE HOJE MESMO, ESSA DIREITA, OU ESSA SUPOSTA EXTREMA DIREITA QUE AINDA ATUA NO BRASIL, MAS SEM O ESPAÇO QUE JÁ TEVE OUTRORA, NÃO PODE QUERER SE APROVEITAR DESSA HISTÓRIA QUE TU ESTÁS CONTANDO?

Sérgio Rodrigues. Eles podem até tentar, vai ser difícil, porque o livro não se presta a isso de maneira alguma. Qualquer pessoa que ler vai perceber logo nas primeiras páginas que o papo é outro. A direita não sai bem da história, a esquerda também não, é uma história confusa, embolada, não tem heróis e vilões muito claros, e não é para ter. A vida é assim mesmo.

MAIS CINZA, NÉ?, DO QUE PRETO E BRANCO.

Sérgio Rodrigues. Exatamente. Não tem o preto e o branco. E hoje, finalmente, acho que dá pra contar a história sem o preto e o branco. Agora, não dá para controlar o uso que um ou outro vai fazer disso. Até agora, não senti nenhum movimento nesse sentido, não. Até porque, quando falo do livro, acaba ficando muito claro também. Se eu tenho alguma simpatia nesse livro, é muito mais pela esquerda do que pela direita, apesar dos erros. Não pelo stalinismo, por aquilo daquela esquerda da época. Mas a minha complacência com a direita é muito mais baixa.

APESAR DO TEMA, O ROMANCE É PERMEADO PELA IRONIA, NA RELAÇÃO ENTRE XERXES E MOLINA. COMO FOI ESSE CAMINHO?

Sérgio Rodrigues. No começo, foi muito confuso, eu tinha uma vaga idéia do que queria fazer, e não sabia exatamente como fazer. A chave, o ponto de virada desse livro foi o Xerxes, quando apareceu esse personagem que faria a ligação entre o passado e o presente, que esteve lá e está aqui. O Xerxes – é engraçado – ele deve muito a uma entrevista que eu fiz, com a única pessoa que entrevistei que conheceu, de fato, a Elza. É uma ex-militante comunista de São Paulo, chamada Sara Becker. Está com 93 anos e com uma memória espetacular, me recebeu muito bem, contou muitas histórias. E, até então, a pesquisa era muito fria, basicamente em documentos, livros. Ter conversado com a Sara me deu, acho, que a coragem para inventar, ou para imaginar um sujeito que conheceu a Elza, também. E aí o livro acabou se estruturando em torno do Xerxes. Acho que ele é o personagem principal. O Molina é o fio condutor, mas o Xerxes é o grande personagem desse livro, o cara que vai se lembrar daquela história, contá-la pela ótica dele. É a única pessoa que fala em primeira mão do personagem-título, da Elza, que acaba sendo muito mais ausente do que presente no livro. Ela é um vazio, uma coisa que se busca e nunca se alcança.

E há o próprio fato do discurso do Xerxes ser pouco confiável. É mais uma ficção, na verdade, em torno da história, e você fica sem saber onde pegar o que tem de concreto. Aí acho que fechou a estrutura do livro. Eu tinha imaginado, a certa altura, fazer uma parte ficcional e outra parte não-ficcional, bem separadas, e aí depois, pelo ritmo de leitura, me pareceu muito mais interessante intercalar.

E SOBRE AS LACUNAS? NO COMEÇO DO NOSSO PAPO TU COMENTASTE ALGUMAS DELAS. O LIVRO JÁ COMEÇA COM UMA, SOBRE A IDADE DA ELZA, QUE NÃO TEM COMO SER COMPROVADA. QUAIS FORAM OUTRAS DIFICULDADES, BURACOS?

Sérgio Rodrigues. Há muitos. Tem pastas da Elza Fernandes realmente vazias, esvaziadas. Você encontra a pasta [no Arquivo Público, por exemplo], manda ela vir, ela chega e não tem nada dentro. Aquilo, claramente, foi esvaziado. Tem várias coisas sobre ela que a gente não sabe direito, além da idade. Quando ela se casou com o Miranda, quando veio para o Rio. [pausa] O que era essa menina, do que ela gostava? Você não tem, não tem… o que ela fazia exatamente. Ela só aparece como figurante em outras situações. Então, se tinha uma reunião de cúpula do partido – existe registro de que estavam lá Olga, Prestes, Miranda, Harry Berger, que na verdade era o Arthur Ewert, e a Elza estava lá, mas não participava daquelas reuniões. Então ela é um personagem completamente secundário nas histórias, e não ficou muito registro dela.

E COMO QUE ISSO VAI DESEMBOCAR NAS PRIMEIRAS SUSPEITAS CONTRA ELA? A PRINCÍPIO, PARECE QUE O MIRANDA ESTÁ MEIO POR FORA. LOGO APÓS A INTENTONA, ESSAS PESSOAS VÃO SENDO PRESAS, ELA É PRESA E LOGO DEPOIS É SOLTA…

Sérgio Rodrigues. … ela é presa junto com o Miranda e, logo em seguida, treze dias depois, se não me engano, ela é solta e não se sabe muito bem porque a soltaram. Tem algumas teses: ou porque perceberam que ela não sabia nada mesmo, era uma pobre coitada. Ou para criar uma intriga mesmo, para disseminar a discórdia lá nas hostes comunistas, o que acabou acontecendo. Ela saiu em termos muito amistosos: “Ah, pode voltar para visitar o Miranda”. E ela realmente voltava à cadeia para visitá-lo. Ele então passa para ela bilhetinhos para entregar aos companheiros. Esses bilhetinhos foram considerados muito suspeitos, todo mundo achou que eles fossem falsos. Não seria o Miranda que estava escrevendo, porque um revolucionário qualificado como ele não cometeria esse erro, de mandar bilhetinhos para companheiros. Não duvido que tenha sido uma própria jogada da polícia para criar discórdia.

Agora, também é possível que a Elza tenha falado alguma coisa, sim. Como muita gente falou, a tortura foi muito pesada. Filinto Müller ficou conhecido como patrono dos torturadores não à toa. Eles massacraram o Arthur Ewert, ele foi torturado ano após ano, até sair louco, completamente louco, voltou à Alemanha direto para o hospício. O Prestes morreu certo de que quem o entregou foi Rodolfo Ghioldi, comunista argentino, famoso, que estava aqui também. E o Ghioldi continuou sendo um herói, ninguém o condenou por isso.

Talvez por ser mulher, por ser uma menina, era uma parte fraca, era fácil. Talvez em uma guerrinha interna quisessem atingir diretamente o Miranda. É uma grande confusão, essas possibilidades todas aparecem na história. Mas não vejo condições de você dizer, com certeza, foi isso ou foi aquilo. Talvez uma combinação de todas essas coisas. O fato é que, com certeza, a Elza não passou para a polícia nenhuma informação muito relevante, até porque acho que ela não tinha. Ela não sabia onde estava escondido o Prestes, que era o que eles mais queriam saber. E o Ghioldi sabia. Acho que ela acabou sendo uma espécie de bode expiatório mesmo. Havia uma tensão muito grande, estavam caindo um atrás do outro. É nesse clima de tensão extrema que acontece o crime, não foi uma coisa decidida com tranqüilidade, não. Isso pode não ser uma justificativa, mas ajuda a entender.

Ela é claramente apanhada numa engrenagem que é muita maior, que ela não consegue entender direito, as tais engrenagens da história. Ela é uma vítima do stalinismo, em última análise. O terror stalinista estava comendo solto nessa época, e ele se reflete aqui na história dessa menina. É um reflexo bem modesto, mas é claramente um reflexo. O clima no partido era esse, eles estavam em guerra, consideravam que aquilo era uma guerra. E, realmente, logo, logo estouraria uma guerra de verdade. A Elza é uma vítima de Stalin, como a Olga é do Hitler. São dois reflexos que essa briga gigantesca, internacional, teve aqui no Brasil.

A OLGA TEM MUITO MAIS REPERCUSSÃO, TALVEZ POR SER QUEM É, UMA AGENTE INTERNACIONAL QUE RETORNA AO PAÍS PARA PROTEGER O PRESTES [NO PERÍODO ANTERIOR À INTENTONA DE 1935].

Sérgio Rodrigues. A história é muito boa também, e é uma história que foi muito mais documentada, e que teve um livro de sucesso por trás também. A Olga, antes do livro do Fernando Morais [Olga(Companhia das Letras, 1993)], não era um personagem tão conhecido assim. Mas é uma história que é muito boa para a esquerda, ao contrário da história da Elza. Muito mais documentada também, uma figura realmente importante naquele contexto. E tem, depois, as ligações futuras do Prestes com o Vargas. Quando ele sai da cadeia, apóia o Vargas, o cara que tinha matado a mulher dele [enviando-a para a Alemanha nazista]. Isso dá uma virada superdramática na história.

São duas histórias em que mulheres são vítimas. Numa guerra dessas, numa briga desse tamanho, acaba sobrando para as mulheres. Pode até ter uma leitura feminista nisso aí. Não é uma leitura que eu faça no livro, mas é uma leitura possível.

NO LIVRO, TU PROCURAS SEPARAR A PESQUISA DOS APONTAMENTOS, OPINIÕES DOS PERSONAGENS. E ALGUMAS, ACREDITO QUE SEJAM AS TUAS, OUTRAS NÃO. COMO FOI BUSCAR ESSE EQUILÍBRIO?

Sérgio Rodrigues. Muito da minha pesquisa foi parar na boca do Xerxes. Ele está contando a história pro Molina. Muito do que ele conta é fruto de pesquisa, informação levantada. Tudo, claro, filtrado por uma ótica impressionista dele. Ele estava lá, achou isso, pensou aquilo. É uma tentativa de, na verdade, reproduzir certo clima mental mesmo, como pensava, como era ser uma pessoa naquele momento histórico. Para mim, o mais difícil de se fazer em uma reconstituição histórica. Você pode ter lá os fatos, saber como era a cidade, os prédios que existiam, mas entender como as pessoas estavam pensando é um pouco mais complicado. E o Xerxes é uma tentativa de chegar a isso. Ele é feito com muito retalho de memórias de velhos comunistas. Estava lendo muito sobre isso na época, foi um mergulho muito intensivo mesmo nesse material. Então o discurso do Xerxes acabou saindo naturalmente.

Não é que seja difícil, mas dá um certo medo, exige uma responsabilidade grande quando você coloca um personagem fictício no meio de uma história real. Acho mais fácil botar um personagem real dentro de uma ficção – até fiz isso, tem um conto meu onde o Nelson Rodrigues é um personagem, é divertido, um recurso pós-moderno. Agora, o contrário, botar um sujeito inventado numa história, exige uma responsabilidade maior. Porque o risco de você estar falseando aquela história é grande. Tomei precauções para que isso não acontecesse.

O LIVRO TEM UMA AUTOCRÍTICA MUITO GRANDE EM RELAÇÃO À HISTÓRIA DO COMUNISMO. ESSA AUTOCRÍTICA APARECEU NA PESQUISA?

Sérgio Rodrigues. A autocrítica do Xerxes é um resumo de autocríticas que foram, de fato, feitas. Todo mundo acha que a Intentona foi um delírio. Não tem ninguém que, a essa altura, defenda a Intentona, como um movimento correto. O Xerxes é um pouco o sumo de uma autocrítica que foi feita mesmo ao longo da história, pelo pessoal de esquerda.

ESSA AUTOCRÍTICA, TU PERCEBES EM RELAÇÃO AO PRESTES E AO MIRANDA TAMBÉM? PORQUE O PRESTES SEMPRE FOI CERCADO DE UMA MITIFICAÇÃO QUE COMEÇOU COM A COLUNA, O “CAVALEIRO DA ESPERANÇA”, E NO LIVRO SE PERCEBE QUE, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, ELE FOI DECISIVO PARA O ASSASSINATO DA ELZA. AO MESMO TEMPO, O MIRANDA, QUE GRACILIAMO RAMOS DESCREVE [EM MEMÓRIAS DO CÁRCERE (RECORD, 1953,)] DE FORMA PATÉTICA, COMO “UM PROFISSIONAL DA BAZÓFIA”, FOI, LOGO DEPOIS, CRUCIFICADO, ACUSADO DE ENTREGAR UM POR UM E, POR CONTA DISSO, TAMBÉM SERIA RESPONSÁVEL PELA MORTE DA ELZA.

Sérgio Rodrigues. Se você estuda mesmo essa história, fica clara a responsabilidade do Prestes nisso aí, da Elza. Foi um dos erros que ele cometeu, e ele cometeu um monte. Ao contrário do que diz o Jorge Amado – “os erros não apareceram nunca” –, apareceram muitos erros. O que não quer dizer que o Prestes tenha sido o vilão da história, de maneira nenhuma, foi um personagem importantíssimo da história. Mas é um cara que encontrou seus próprios limites, e achou que poderia fazer mais do que era possível, naquele momento, pelo país dele. Essa visão mais crítica do Prestes está em um monte de livros já. Quem considera ainda o Prestes como um santo é um pessoal mais ingênuo, que refletiu pouco sobre essa história.

E também fica claro que o fato de o Miranda ter virado um vilão tão absoluto da esquerda também tem muito de desinformação. Porque não há provas conclusivas. Que ele era um cara esquisito, meio falastrão, não se tem dúvidas. Meio aproveitador, aproveitou-se de um momento de vácuo no partido para subir, com certeza, tudo isso. Mas não há nenhuma prova de que o Miranda se tornou informante profissional da polícia, virou uma agente da polícia ou entregou os companheiros. Ele parece ter sido crucificado mesmo, como um bode expiatório da derrota. É uma tese que acho bastante respeitável, e que aparece também em outros livros.

E SOBRE AQUELA CARTA, ONDE ELE SUPOSTAMENTE SE REDIMIRIA DO SEU PASSADO COMUNISTA, ENDEREÇADA AO FILINTO MÜLLER?

Sergio Rodrigues. Ela faz parte do arquivo pessoal do Filinto Müller, doado pela família à Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esta seria a prova definitiva da traição do Miranda, só que ela não se sustenta. Ou, pelo menos, eu acredito que ela não se sustente.

TU TAMBÉM CITAS ALGUNS FATOS QUE PROVAVELMENTE SE SUCEDERAM DURANTE A PESQUISA, COMO O ELOGIO DO LULA AO MÉDICI, O CASO DA ENTREGA, POR TENENTES DO EXÉRCITO, DE JOVENS DO MORRO DA PROVIDÊNCIA A TRAFICANTES DO MORRO DA MINEIRA ["O TENENTISMO BRASILEIRO MUDOU MUITO"], AS MILÍCIAS, QUE APARECEM QUANDO TU VAIS ATRÁS DA LOCALIDADE ONDE A ELZA FOI MORTA E ENTERRADA, EM GUADALUPE [SUBÚRBIO DO RIO DE JANEIRO]. COMO FOI ISSO?

Sérgio Rodrigues. Interessava-me buscar coisas do presente que tivessem algum tipo de diálogo com aquela história. Quando o Lula aparece elogiando o Médici, na verdade, isso tem a ver com um momento ali do Molina, que ele não sabe mais o que é verdade e o que não é, o que é esquerda e o que é direita. O elogio de alguém como o Lula ao Médici é uma coisa que ajuda a dar mais uma volta nesse parafuso. “Que porra é essa, né?” O busto horroroso do Vargas que tem na Glória [na Praça Luís de Camões]. Fui buscando no presente uns sinais daquele passado. No que aquilo veio dar. E, claro, alguns sinais são irônicos, como esse do tenentismo, não são correspondências absolutas. E é aí que eu acho que a ficção é legal, ela permite jogar com algumas intuições, sem ter que demonstrar de forma cartesiana que o tenentismo daquele tempo deu nisso. Não, isso aí é indemonstrável, mas ao mesmo tempo eu acho que é uma intuição que ilumina alguma coisa.

E TERIA COMO APONTAR O MAIOR EQUÍVOCO NESSA HISTÓRIA TODA? OU ELE É PERMEADO POR VÁRIOS PEQUENOS EQUÍVOCOS QUE VÃO DESEMBOCAR NO ASSASSINATO DE ELZA?

Sérgio Rodrigues. O maior equívoco, nessa história toda é, sem dúvida, a Intentona Comunista. A decisão de tentar derrubar o governo com aquele tipo de estrutura, de preparação que eles tinham. Meia dúzia de pessoas, Prestes mandando bilhetinhos para os comandantes militares na véspera, do tipo “Revolução amanhã. Conto com você”. A revolução estourou antes em Natal [RN], o que atrapalhou, já não tinha nem mais o elemento surpresa. Não era para ter estourado, foi uma ejaculação precoce. Com certeza, o maior erro foi esse. Todos os outros erros que aparecem no livro se figuram em torno desse erro maior. Embora a Intentona seja um pano de fundo da minha história, não estou contando a história dela, mas é um pano de fundo grande.

AO FINAL, TU MENCIONAS UM CASO DE JUSTIÇAMENTO QUE ACONTECEU EM 1968. AQUELE CASO ACONTECEU MESMO?

Sérgio Rodrigues. Aquele caso, especificamente, é inventado, mas aconteceram vários. Tem um livro de um historiador comunista, chamado Jacob Gorender, Combate nas trevas (Ática, 1987), que trata disso. Entrevistei o Jacob, ele tem lá um capítulo pequeno sobre a Elza, onde ele condena o Prestes muito duramente, é a crítica mais pesada que eu vi ser feita ao Prestes na esquerda. Mas Jacob está mais interessado nos justiçamentos pós-68. E aquilo ali é um eco, né? Também é mais um diálogo com aquela história antiga, em que o Xerxes está profundamente envolvido.

DE CERTA FORMA, ATÉ COMO O ZUENIR VENTURA COMENTA, ESSES JUSTIÇAMENTOS CONTINUAM POR AÍ, NA ATUAÇÃO DAS MILÍCIAS E NAS REGIÕES DOMINADAS PELO TRÁFICO.

Sérgio Rodrigues. Não é bem justiçamento, são julgamentos sumários, execuções, condenações à morte. Não sei se esse paralelo cabe tanto, na verdade. Porque aí é crime mesmo, é uma atividade criminosa pura e simples. No caso das organizações políticas, não é uma atividade criminosa, pelo menos, não pura e simples. É outra lógica. Acredita-se num bem maior.

MAS PODE CAIR NESSA LÓGICA.

Sérgio Rodrigues. Claro, se cai em uma coisa injustificável. E é uma lógica muito perversa, porque você não sabe mais em quem pode confiar. Vira um círculo vicioso de desconfiança. Acaba sendo usada em briguinhas de poder, as coisas mais comezinhas. Você denuncia o outro porque ele tem uma posição melhor na organização e você quer estar no lugar dele. Aí vira aquela sordidez humana que a gente conhece. E essas organizações acabam propiciando, pois é um ambiente muito fechado, é complicado. É uma história bastante fascinante, essa das organizações de esquerda. Até cito um livro do Dostoievski que fala muito disso, Os demônios (Editora 34, 2004. Primeira edição de 1872). É na época do tzar, pré-revolucionária, tem os grupos radicais, que são clandestinos, supostamente revolucionários, e eles começam um processo autofágico terrível ali dentro. Claro, Dostoievski era um reacionário, mas é um puta de um escritor e esse é um livro muito interessante. O Xerxes, a certa altura, fala do livro também. Essas organizações também eram clandestinas, a pessoa aderia à clandestinidade por vontade própria, optava por sair da vida social, trocar de nome, não ter mais residência fixa. Uma pessoa dessas sumir não é difícil, pouca gente vai dar pela falta dela, ela já fez questão de sumir, optou por isso.

Fonte: Saraiva



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last reply was 18 de março de 2012

WT®


Só mais uma maneira de “vender o peixe”! Já notaram a quantidade de “heróis da causa” que tem aparecido? Isso é massificação de imagem. Foi deste jeito que por trinta anos a Volkswagem manteve 50% do mercado nacional, que a Coca-Cola se tornou o que é, a Alemanha seguiu Hitler cegamente e a ex-URSS…Bem! Voces pegaram o espírito da coisa, nénão?

tartarin de tarascon


Não li o livro, mas, pela entrevista, fica claro a posição ideológica do autor. Pisa em ovos para falar no caso de Olga que até hoje é explorado pela esquerda, mas toma um cuidado danado para evitar que a direita(?) explore o caso da menina. Fosse imparcial teria o devido cuidado de fazer a crítica para os dois lados. Estou com o Marreta e me pronuncio absolutamente contra qualquer regime coletivista. Sou declaradamente aristocrata, mas no sentido clássico do termo, o governo dos melhores e não o sentido pejorativo e desmoralizador que colaram na palavra.

Marreta


Achei a entrevista confusa, teria que ler o livro. Eu me enquadro no que ele chama de anticomunista, tenho lado, cor e opinião, e a minha é esta. Não quero viver num país comunista, é o quanto me basta.

Cassio Curvoreplied:


Concordo.



BELO TRABALHO DE RESGATE DA VERDADE “ESCONDIDA”.

AINDA FALTAM MUITAS HISTÓRIAS.


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Ele: - A conversa que corre ai é que 35 mandados de busca e apreensão já estão assinados. Tá sabendo? Eu: - Tô sim, dentro da operação ararath, mas soube que Leia Mais




Silval Barbosa pretende inaugurar ainda esta semana o viaduto da Sefaz. Obra que foi inspirada nas pistas radicais do hot wheels. hehehehe Veja o viaduto da Sefaz e sua inspiração: pistas Leia Mais




Do RDNews Vem de Lucas do Rio Verde, um dos municípios do médio-norte que mais crescem em MT, um belo exemplo na área da educação. O município, sob Otaviano Pivetta, que Leia Mais


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“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

"A Revolução Francesa começou com a declaração dos direitos do homem, e só terminará com a declaração dos direitos de Deus." (de Bonald).

Polonia by Augusto César Ribeiro Vieira


(95) Vídeos de Isso é Brasil

Fico imaginando como deve ser louvor dos anjos!! Assista e veja o porque!

Posted by Ronaldo Nunes de Lima on Segunda, 24 de junho de 2013

Este vídeo é a minha singela homenagem ao policial Civil do Distrito Federal, Carlos Eugênio Silva, conhecido como Dentinho, morto em um acidente nos EUA.Aproveito para agradecer o Governo e a Polícia Americana pelo exemplo de tratamento e honrarias dispensados a um policial morto. Espero muito que o Governo Brasileiro se espelhe neles e trate esse nosso guerreiro com o devido respeito e admiração em solo Brasileiro.Temos que aprender a reverenciar principalmente o velório de quem põe a vida em risco por nós e por nossos familiares, não apenas as celebridades da TV.

Posted by Marcos Do Val on Quinta, 9 de julho de 2015